domingo, fevereiro 05, 2006

Viseu, Olhares Cruzados sobre a Desertificação e Identidade Beirã


Moderadora, Cristina Sousa Gomes que em 7/4/04, no Teatro Viriato de Viseu, coordenou os trabalhos de mais um tema proposto pela CMViseu e Jornal Público. Os conferencistas, António Homem Cardoso, fotógrafo por vocação desde 1961, natural de S. Pedro do Sul e João Pereira Neto, Professor Catedrático de antropologia, ambos com uma riquíssima experiência de vida e conhecedores da região.

Iniciou o Dr. João Neto pela antropologia que em sentido estrito, é a história natural dos hominídeos, na sua diacronia espácio-temporal. Numa perspectiva global, a antropologia é a ciência que estuda o homem enquanto ser animado nos seus vários aspectos e na sua relação com a cultura, desde a pré-história até aos nossos dias. A relação do indivíduo com o seu grupo, de forma parental ou meramente social, é actualmente uma das áreas mais abordadas pela antropologia moderna, fortemente apoiada nas ciências exactas e nos seus dados.Há, no entanto, dois aspectos essenciais na antropologia: o natural e o cultural.

Ligadas à antropologia existem também a antropologia filosófica e a antropologia teológica. A primeira dedica-se ao estudo da essência do ser humano, a segunda a dimensão antropológica de toda a mensagem cristã, de forma a esclarecer a doutrina ao homem. Estão ambas muito presentes nas obras de Santo Agostinho.

Desertificação, alguns não estão de acordo, mas começam a aceitar e isto significa: tornar deserto; despovoar; fugir; desistir de um recurso ou seja deixar o seu ambiente, família, amigos e tudo que envolve a pessoa no seu ambiente primitivo.

Litoralização, que respeita à beira-mar; região junta ou próximo da costa;

Beirão, natural ou habitante de uma das Beiras, províncias portuguesas em que o seu auto conceito, seu “EU” é o de Homem de honra, de palavra, trabalhador ou labutador utilizando a força muscular com ferramentas antigas para conseguir o sustento. Vivia em economia de subsistência. O laser era raro; feiras, romarias e pouco mais. As raparigas não tinham acesso à cultura escolar e só na década de 30 aparece a escola primárias.

Ritos: os pais ofereciam um cântaro de vinho sem comer para poder aceder ao namorado.

Serviço militar: os que regressavam eram cabos de ordens, regedores, isto é, cada freguesia tinha um regedor que era uma autoridade jurídica a quem os prejudicados ou injuriados faziam queixa. Os cabos de ordens executavam e colaboravam com o regedor.

Isto acontecia até 1950 depois apareceram os tractores e outra tecnologia como rádio, televisão e escolarização obrigatória.

A guerra em África fez com que os postos de trabalho fossem ocupados pelas mulheres. Depois de Abri/74 com a revolução dos cravos que se comemora este ano 30.º aniversário, o País democratizou-se. As tarefas agrícolas deixaram de ser consideradas.

Na década de 90, período de novas gerações e técnicas leccionadas nas Universidades e Politécnicos superlotados, mas sem gente a mais, pois é preferível estar desempregado com curso superior que sem instrução.

As ONGs como: sindicatos; Misericórdias, Caixa de C.A. Mútuo às quais o conferencista fez rasgados elogios, Juntas de Freguesia, etc. podem e devem ser os motores para o desenvolvimento duma região e do País.

Homem Cardoso, contou a história da sua vida e da família, percebeu-se que foi uma vida com muitas dificuldades. Contou com muita subtileza, ironizou, e a plateia achou graça aos momentos difíceis que passou. Nunca estudou nada sobre desertificação ou interioridade. O pai morreu e tinha apenas 6 anos, foi criado com a mãe, tias e com 14 anos foi de táxi para Lisboa, antes de partir a mãe disse-lhe ao ouvido que não se esquecesse que era um Beirão e provou-o nesta sessão animada. Fez questão de afirmar que não foi ele que desertificou para Lisboa, mas foi sim S. Pedro do Sul que o desertificou.

Fotografou muita gente de alto gabarito de quem contou histórias delirantes, mas nunca fotografava Cavaco silva por ser uma estátua e Álvaro Cunhal nem pela mão de Carlos Carvalhas conseguiu.

Histórias de um homem com alma beirã, reconstruiu uma casa em Negrelos e por lá passa muito tempo como se nunca de lá tivesse saído.

Debate:

Dr. Moreira disse ter assistido a dois olhares diferentes e apresentou duas questões.

1 – A Homem Cardoso, se fotografasse a beira que cores atribuía, hoje? R.: Vou fotografar o meu concelho, conheço bem Portugal, tenho mais de 60 livros publicados, sou orgulhoso da monumental Viseu que sofreu um desenvolvimento sustentado.

2 – A João Neto, Viseu situa-se na charneira. Temos de facto uma identidade ou somos um bocadinho de todos os outros? R.: Conheço muitas pessoas, mas amigos são em Viseu. Têm sólida formação moral que não encontro noutros lados, esta é a perspectiva de um Algarvio.

O Dr. Reis referiu-se ao discurso de João Neto como simpático, mas que assenta bem em qualquer ponto do País.

Queremos saber se há alguma característica que nos dá identidade própria? Viemos para ouvir falar de desertificação, que também o litoral tem perdido população e a que se deve essa fuga?

O Dr. Neto respondeu que em Viseu não se criaram condições para atrair os jovens. Há um choque geracional que faz com que os mais novos repudiem atitudes dos mais velhos. Deve haver formação para que os mais velhos entendam os mais novos.

O Dr. Inês Vaz insistiu, vim para ouvir falar do tema e pretendo saber se existe ou não identidade Beirã? Confessou ficar com muitas dúvidas, assim como todos, sobre desertificação de que pouco se falou. Viseu cresceu 16%, mas é preciso saber como, foi à custa do litoral? Penso que foi sim à custa das Aldeias.

Dr. Neto disse que a desertificação é devida a uma quebra geracional, a formação talvez supere. Para a mudança podem contribuir os professores de todos os níveis de ensino. Identidade - há vários estudos, mas pouco esclarecedores.

Homem Cardoso entende que a desertificação do interior é um problema global. O Brasil está a arrastar-se para a praia – litoralização e a atracção pelo mar é indissociável do Português. Hoje não se é de lado nenhum, tudo passa muito de pressa.

O Sr. Eng.º Esteves Correia da A. Municipal de Viseu disse não ter ideia tão catastrófica do Beirão. A mistura de imigrantes não alterou a identidade beirã. Falta uma politica de desenvolvimento rural de que tipo? Viseu aumentou a população à custa das aldeias, mas no centro da cidade não vive quase ninguém.

Dr. Neto – os imigrantes vão integrar-se. Tem que haver retorno à terra (agricultura) com capacidade técnica e o apoio dos politécnicos e Universidades.

Homem Cardoso afirmou que o Estado Português tem contribuído para “enterrar” a agricultura através da confusão dos subsídios. Desde 1910 que é o Estado que manda, mas mal.

Consideramos não ter sido debatido o mais importante; porque nos grandes centros há pessoas a mais e no interior há pessoas a menos?

Jacinto Figueiredo.Abril/04


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