A Propósito do art. de opinião publicado neste Jornal em 5/5/04 que consideramos redutor dos mais elementares direitos de todo o ser humano a EDUCAÇÃO. Apesar de ser de 1991, pensamos estar actualíssimo e se não obteve mais êxitos é devido à falta de investimento do poder político nos recursos: materiais e humanos (ex. falta de professores, apenas 1/3 são especializados e, outros técnicos especializados. A lei prevê que os casos mais dramáticos e justificáveis sejam encaminhados para instituições adequadas que existem.
Sempre houve pessoas com deficiência. Mas, nem sempre estas pessoas foram consideradas da mesma maneira.
Como escreveu Fonseca (1989:217), "no passado, a sociedade desenvolveu quase sempre obstáculos à integração das pessoas deficientes. Receios, medos, superstições, frustrações, exclusões, separações, etc. preenchem, lamentavelmente, vários exemplos históricos que vão desde Esparta à Idade Média".
Na época clássica, as atitudes face às pessoas com deficiência iam do seu abandono nas florestas, caso de Atenas, ao aniquilamento nos desfiladeiros, como era o caso de Esparta.
Na Idade Média, por outro lado, eram frequentes os apedrejamentos ou a morte nas fogueiras da Inquisição das pessoas com deficiência que eram mesmo consideradas como possuídas pelo demónio.
Já no séc. XIX e princípios do séc. XX foi usada a esterilização como método para evitar a reprodução desses "seres imperfeitos" e aconteceu mesmo, em plena época do nazismo hitleriano, a aniquilação pura e simples das pessoas com deficiência que não correspondiam à "pureza" da raça ariana. Paralelamente a estas atitudes extremas de aniquilamento apareciam, aqui e ali, o isolamento destas pessoas em grandes Asilos (como foi o caso da Inglaterra) e atitudes dispersas de rejeição, vergonha e medo.
Após a 2ª Guerra Mundial, com a valorização dos direitos humanos, surgem os conceitos de igualdade de oportunidades, direito à diferença, justiça social e solidariedade nas novas concepções jurídico-políticas, filosóficas e sociais de Organizações como a ONU, a UNESCO, a OMS, a OCDE, o Conselho da Europa, a OIT, a U.E. ou a Reabilitação Internacional, passando as pessoas com deficiência a ser consideradas como possuidoras dos mesmos direitos e deveres de todos os outros cidadãos e entre ele o direito à participação na vida social e à sua consequente integração escolar e profissional.
Que entendemos por Aluno Diferente / Deficiente?
Ao longo dos últimos 30 anos tem-se assistido, um pouco por todo o mundo, a um apaixonado debate acerca das vantagens e desvantagens da integração de alunos portadores de deficiências nas salas de aula do ensino regular.
Tais debates, baseados na maior parte das vezes em meras concepções ideológicas e sem qualquer suporte factual apoiado em investigações rigorosas e metodologicamente consistentes, continuam ainda hoje um pouco por todo o lado.
Apesar de serem raros os casos em que as iniciativas legislativas ou pragmáticas se baseiam na investigação e na avaliação das experiências realizadas, a integração dos alunos com deficiência no percurso normal da educação é hoje não só um objectivo pedagógico para numerosos países como é uma orientação importante em praticamente todas as Organizações Internacionais como as que referi.
Está escrito numa recente publicação da OCDE. (1994:7): “Hoje o conceito de integração é mais do que um modelo pedagógico. É um mecanismo de formação tão poderoso como as noções de democracia, de justiça social e de igualdade e é um elemento capital para a concretização permanente destas aspirações”.
Todavia, apesar dos avanços e progressos assinaláveis nesta área, mesmo nos países em que existe uma longa tradição de integração, nem todas as crianças com deficiência beneficiam dum ensino integrado e há mesmo alguns casos em que grupos de pessoas com deficiência, como por exemplo as pessoas surdas, não desejam ser integradas e reivindicam o estatuto de "minoria" e as prerrogativas inerentes a tal estatuto. Tal é o caso da Suécia e de algumas regiões dos EUA em que as Associações e Organizações ligadas às pessoas surdas lutam pelo direito ao reconhecimento da "Língua gestual" como sua língua materna e ao direito de frequentarem escolas adequadas ao seu estatuto de deficientes auditivos.
Também no nosso país a legislação garante a todas as crianças e jovens com deficiência o direito à educação na Escola Regular, como é o caso da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86) e de todo um corpo de documentos legislativos, como o D.L. 319/91 de 23/08, a ela inerentes que consagram a lógica da "normalização", isto é, a ideia de que as pessoas com deficiência devem frequentar as valências sociais e comunitárias menos restritivas e o mais próximas possível do normal para as pessoas da sua idade e meio envolvente.
De facto, o sistema educativo, tendo por finalidade realizar a promoção permanente da educação de todos os portugueses, "tem de colocar a si próprio a obrigatoriedade de ser capaz de promover a Educação, respeitando a originalidade de cada um. E isso implica que tenha de se ajustar a todos, partindo da compreensão do que são as suas necessidades educativas". (Revista Educação, 1995: 4).
Como está escrito num documento elaborado no âmbito dos trabalhos preparatórios da reforma do Sistema Educativo referido por Almeida Costa (Revista Educação nº10, 1995, pag.13) "o sistema educativo só pode ser de todos e para cada um se totalmente despojado de desvantagens para quem quer que seja".
Ora, entre as "desvantagens" com que se debatem as pessoas com deficiência estão muitas vezes os rótulos e estigmas de que são vítimas e os constrangimentos aos seus direitos elementares de cidadania, nomeadamente, o direito à livre escolha e à participação nas tomadas de decisão sobre os seus destinos e percursos educativos, sociais e laborais.
Trabalhando na área do "ensino especial" há mais de 20 anos acompanhei de perto os obstáculos que na prática a grande maioria das crianças e jovens portadores de deficiência ou as suas famílias são obrigados a enfrentar, ainda hoje, na luta pela conquista de dois objectivos essenciais: o máximo de autonomia e o máximo de qualidade de vida. Estes dificilmente se conseguem em “Guetos”?
De acordo com a UNESCO (1977: 5-6), a história da humanidade, no tocante à forma como se consideram e integram os deficientes, passou por cinco estádios diferenciados:
1. O estádio filantrópico, em que as pessoas com deficiência têm um estatuto de pessoas doentes e portadoras de incapacidades permanentes inerentes à sua natureza, implicando o seu isolamento para tratamento e cuidados de saúde;
2. O estádio da "assistência pública", em que o mesmo estatuto de "doentes" e "inválidos" implica a institucionalização da ajuda e assistência social;
3. O estádio dos direitos fundamentais, iguais para todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas limitações ou incapacidades. É a época dos direitos e liberdades individuais e universais de que ninguém pode ser privado, como é o caso do direito à educação;
4. O estádio da igualdade de oportunidades, época em que o desenvolvimento económico e cultural arrasta consigo a massificação da escola e, ao mesmo tempo, faz surgir o grande contingente de crianças e jovens que, não tendo um rendimento escolar adequado aos objectivos da instituição escolar, passam a engrossar o grupo das crianças e jovens deficientes mentais ou com dificuldades de aprendizagem;
5. O estádio do direito à integração... Se no estádio anterior se "promovia" o aumento das "deficiências", uma vez que a ignorância das diferenças, o não respeito pelas diferenças individuais encapotado na defesa dos direitos de "igualdade" agravava essas diferenças, agora é o conceito de "norma" ou de "normalidade" a ser posto em causa.
Deficiência: "No domínio da saúde, deficiência representa qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica". (OMS, 1980: 35).
Incapacidade: "No domínio da saúde, incapacidade corresponde a qualquer redução ou falta (resultante de uma deficiência) de capacidades para exercer uma actividade de forma, ou dentro dos limites considerados normais para o ser humano". (OMS, 1980: 36).
Por outro lado, como diz Alvarez (1994:217) a integração escolar de alunos com NEE é uma provocação ao profissionalismo do professor. A lógica da inclusão (veja-se a Declaração de Salamanca - Unesco 1994: Por uma Escola Inclusiva) constitui mesmo a essência do ideal democrático, "embora as práticas pelas quais este princípio se divide em imperativos concretos estejam incessantemente ameaçadas de estigmatizar, singularisar, isolar ou, numa palavra excluir" (Labregère, 1989).
Os benefícios da inclusão de alunos com NEE na escola regular são evidentes, apesar das dificuldades, e TODOS os autores desta integração "lucram" com ela.
Na verdade, os vários estudos comparativos realizados (principalmente nos EUA e nos países Escandinavos) revelam que existem:
v Benefícios para os Alunos com Deficiências;
Ø Modelos adequados nos colegas,
Ø Assistência por parte dos colegas,
Ø A criança cresce e aprende a viver em ambientes integrados.
v Benefícios para os Alunos que não são Deficientes;
Ø A melhor forma de aprenderem a sensibilidade para as diferenças individuais,
Ø Oportunidade para praticar e partilhar as aprendizagens,
Ø Diminuição da ansiedade face aos fracassos ou insucessos.
v Benefícios para Todos os Alunos;
Ø Compreensão e Aceitação dos Outros,
Ø Reconhecimento das necessidades e competências dos colegas,
Ø Respeito por todas as pessoas,
Ø Construção de uma sociedade solidária,
Ø Desenvolvimento de apoio e assistência mútua,
Ø Desenvolvimento de projectos de amizade,
Ø Preparação para uma comunidade de suporte e apoio.
Jacinto Figueiredo, 05-05-2004
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