segunda-feira, dezembro 26, 2016

..."competências locais, recursos naturais, podem ser outras competências ou capacidades instaladas, nomeadamente instituições do ensino superior”...P



O interior precisa de uma drástica mudança de imagem
“O problema começa logo nas nossas cabeças”, diz o geógrafo João Ferrão. Primeiro de uma série de trabalhos sobre desenvolvimento do interior, numa altura em que o tema está em discussão pública. 
26 de Dezembro de 2016, 7:32

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Olival em Alfândega da Fé Adriano Miranda/Público
O interior continua a esvaziar-se, como um saco de areia roto. Estudiosos como Eduardo Castro, coordenador do Grupo de Estudos em Território e Inovação da Universidade de Aveiro, já não se perguntam se o crescimento económico possibilita o aumento da população, mas se o aumento da população ainda possibilita o crescimento económico. Será possível atrair gente sem mudar a imagem do interior?
Está em debate público o Programa Nacional para a Coesão Territorial, organizado em torno de 164 medidas que envolvem os vários ministérios. A coordenadora da Unidade de Missão de Valorização do Interior, Helena Freitas, descreve-o como “um choque”. Até Março, prepara uma “Agenda para o Interior”, que será “uma estratégia de longo prazo”. E uma drástica mudança de imagem faz parte do plano. Vem aí uma série de campanhas para desconstruir “a imagem de atraso e subdesenvolvimento”. “O Turismo vai apostar muito no interior”, adianta.

Não é assunto de somenos. “O problema do chamado 'interior' começa logo nas nossas cabeças”, diz João Ferrão, coordenador do grupo de investigação Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “Se grande parte do interior deixar de ser pensado – e visto – como interior remove-se logo uma série de obstáculos.”
Que imagem tem o interior? “Árvores a arder, casas ameaçadas, pessoas aos gritos, um ou outro crime”, arrisca Nuno Francisco, director do Jornal do Fundão. E serviços a fechar, mulheres de pele encorrilhada a trabalhar no campo, homens sentados à espera do fim. Não se esgota nisto, até pela crescente valorização da natureza, do património, da cultura, mas “é uma imagem redutora”, de perda, envelhecimento, despovoamento, isolamento. E isso não convida.
O interior, aponta Ferrão, “tem alguma responsabilidade”. E pode ser boa ideia ter isso em conta em ano de eleições autárquicas. Há anos que o geógrafo ouve autarcas a dizer: “Se perdemos essa ideia de interior, perdemos o capital de queixa fundamental para reivindicar soluções.” E isto parece-lhe o reflexo de “uma mentalidade que evita que se construa futuro”.
“É fundamental articular a perspectiva mais reivindicativa com uma perspectiva mais propositiva, observar as oportunidades, as fraquezas e, a partir daí, gerar um conjunto de estratégias que possam fazer diferença”, enfatiza Alcides Monteiro, da Universidade da Beira Interior (UBI).

Esvaziamento contínuo
“Temos uma dificuldade grande em perceber o que está a acontecer”, considera Luís Leite Ramos, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que investiga na área de Planeamento e Ordenamento do Território e foi eleito deputado pelo círculo de Vila Real na lista do PSD. “Temos uma leitura muito estática. Não percebemos que há um processo de esvaziamento contínuo.” Há concelhos, como Pampilhosa da Serra, que estão a perder gente há uma centena de anos. Entre 1957 e 1974, à volta de um milhão de portugueses saiu do território nacional, quatro quintos dos quais do interior. Na década de 70, o país assistiu a uma grande vaga de regressos – de outros países europeus e das ex-colónias –, mas nem nessa altura o saldo total do interior foi positivo.
O êxodo representou o abandono de uma agricultura que atava a população à pobreza. O movimento de saídas do território persiste. E a natalidade está a cair desde meados da década de 70. Os piores cenários podem ser vistos no Pinhal interior sul, na serra da Estrela, na Beira interior sul, na Beira interior norte. Já não vão lá com incentivos à natalidade. Têm um problema de estrutura etária, tem avisado Eduardo Castro. A percentagem de mulheres em idade fértil é demasiado baixa.
“Durante anos, houve a ideia de que a infra-estruturação e a melhoria da qualidade de vida seriam condições necessárias e suficientes para imprimir uma dinâmica de desenvolvimento”, lembra Luís Leite Ramos. “Embora as condições de vida e a qualidade de vida em muitos municípios do interior sejam muito melhores do que em muitos concelhos das áreas metropolitanas, o facto-chave na fixação de população é o emprego e isso não existe ou existe pouco. A única maneira de romper este ciclo é com emprego produtivo associado às competências locais, que podem ser recursos naturais, mas também podem ser outras competências ou capacidades instaladas, nomeadamente instituições do ensino superior”, acredita.

“Se as pessoas não quiserem, o Estado não vai obrigar a ir viver para o interior”, enfatiza a coordenadora da Unidade de Missão de Valorização do Interior, criada na dependência da presidência do Conselho de Ministros. “O Estado vai criar incentivos que podem ser facilitadores. E a primeira condição é garantir que não há perda de serviços públicos”, diz a também professora da Universidade de Coimbra, eleita deputada pelo Círculo de Coimbra na lista do PS. Em nome da racionalização dos custos e da eficácia, nos últimos anos têm fechado escolas, postos de correios, tribunais, extensões de saúde.
Convergência de factores
Não há um pacote específico de incentivo à atracção e fixação de jovens. Há, defende, várias medidas que podem ter esse efeito, relacionadas, por exemplo, com adequação da oferta de ensino e formação, incentivos à criação de emprego, desenvolvimento de estruturas de base tecnológica, apoio à mobilidade geográfica de desempregados, criação de bolsas de habitação para arrendamento jovem. “Tem de haver convergência de factores para que as coisas resultem.”
“Habituámo-nos a olhar para o interior em função de uma actividade agrícola. Já não temos o predomínio dessa actividade, mas também não temos o de outra. Estamos num momento de transição”, constata aquela responsável. “Despontam projectos com inovação.”
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O que é, afinal, o interior? O interior é Cabaça, um conjunto de casas em ruínas encavalitadas num esporão com vista de estarrecer sobre a serra algarvia, uma aldeia morta entre sobreiros, medronheiros, estevas, urzes e rosmaninho. Mas também a multiplicação de olival intensivo no Alvito – milhões de oliveiras plantadas em compassos apertados, exploradas em regadio. E a produção de enchidos em Vinhais, da chouriça à alheira, do salpicão ao butelo. E a BLC3 – Plataforma para o Desenvolvimento da Região Interior Centro, com sede em Oliveira do Hospital, que venceu o prémio europeu de crescimento sustentável com um projecto de produção de biocombustíveis.
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João Ferrão ainda se lembra de ouvir Valente de Oliveira, ministro do Planeamento e da Administração do Território entre 1985 e 1995, discursar sobre a necessidade de “desencravar o interior”. “Desencravar era criar condições de acessibilidade.” Agora, que o país é atravessado por três mil quilómetros de auto-estradas e o digital impera, todas as distâncias se encurtaram.
O geógrafo resume o cenário nestes termos: “Quando se olha para aquilo a que se chama 'interior', tem de se discutir duas coisas: regressão e dinamismo. Há dinamismo interessante e dinamismo que levanta as maiores dúvidas. Uma estratégia para o futuro devia lidar com o abandono: ‘Bom, vamos ter de ser selectivos. Vamos apostar em quê? Como vamos gerir as áreas abandonadas?’ Mas também deveria pôr o dedo na outra dimensão: ‘Como é que evitamos ocupações altamente predadoras, quer do ponto de vista social quer do ponto de vista ecológico?’ O drama – não vai acontecer – seria que o dito interior, no futuro, só tivesse abandono e ocupação predadora.”

sexta-feira, dezembro 23, 2016

Na melhor idade, que começa aos 60 anos, temos pouco mais de 50% de água no corpo

Principal causa da confusão mental no idoso
Arnaldo Lichtenstein, médico

Sempre que dou aula de clínica médica a estudantes do quarto ano de Medicina, lanço a pergunta:

- Quais as causas que fazem o avô ou  avó terem confusão mental?

Alguns arriscam: "Tumor na cabeça".
Eu digo: "Não".

Outros apostam: "Doença de Alzheimer"

Respondo, novamente: "Não".

A cada negativa a turma espanta - se... E fica ainda mais boquiaberta quando
 enumero os três responsáveis mais comuns:

- diabetes descontrolado;
- infecção urinária;  
- a família passou um dia inteiro nas compras, enquanto os idosos ficaram em casa.

Parece brincadeira, mas não é. Constantemente o avô e a avó, sem sentir
 sede, deixam de beber líquidos.

Quando não há gente em casa para lembrá-los, desidratam-se com rapidez.
A desidratação tende a ser grave e afeta todo o organismo. Pode causar confusão mental abrupta, queda de pressão arterial, aumento dos batimentos cardíacos (taquicardia), (angina de peito), coma e até morte.

Insisto: não é brincadeira.
Na melhor idade, que começa aos 60 anos, temos pouco mais de 50% de água no corpo. Isso faz parte do processo natural de envelhecimento.
Portanto, os idosos têm menor reserva hídrica.

Mas há outro factor: mesmo desidratados, eles não sentem vontade de beber água, pois os seus mecanismos de equilíbrio interno não funcionam muito bem.

Conclusão:
Os idosos desidratam-se, facilmente, não apenas porque possuem reserva hídrica menor, mas também porque percebem menos a falta de água no seu corpo. Mesmo que o idoso seja saudável, fica prejudicado o desempenho das reações químicas e funções de todo o seu organismo.

Por isso, aqui vão dois alertas:

1 - O primeiro é para os avós: tornem voluntário o hábito de beber líquidos. Por líquido entenda-se água, sumos, chás,  leite, sopa, gelatina e frutas ricas em água, como melão, melancia, ananás, laranja e tangerina, também funcionam. O importante é que, a cada duas horas, beber algum líquido. Lembrem-se disso!

2 - Meu segundo alerta é para os familiares: ofereçam, com frequência, líquidos aos idosos. Ao mesmo tempo, fiquem atentos. Ao  perceberem que rejeitam os líquidos e, de um dia para o outro, ficam confusos, irritadiços, aéreos, falta de atenção. É quase certo que sejam sintomas decorrentes de desidratação.
Atitude a ter:
"Dar-lhes  líquidos e ir, rapidamente, a um serviço médico".

sexta-feira, novembro 11, 2016

Leonard Cohen, Adeus, dizemos nós como se não soubéssemos que já lá estás.



Meu grande sacana
11/11/2016 - 09:54
Nosso caro Leonard Cohen: não só sabemos que nos podes ouvir, como desconfiamos que estejas deitado numa nuvem, rodeada por anjos do sexo feminino, a comer uvas enquanto te comoves a ouvir atentamente os nossos gemidos de saudade
Meu grande sacana,
Passámos um fim-de-semana juntos em que me fizeste esquecer que eras o meu herói. Quando acabou fiquei com dois heróis: com o Leonard Cohen das canções e com o Leonard Cohen em carne e osso.
Embebedámo-nos com Bloody Marys e, a certa altura, tu reparaste que eu tinha a mania de desdizer o que tinha acabado de dizer. Eu disse-te que era um tique português. Primeiro afirma-se um disparate ou uma verdade. Depois continua-se “E, no entanto…”
“And yet!”, gritaste, “the two greatest words in any language!” Depois desataste a dar exemplos. A uma mulher que te amava e queria casar contigo: “I love you… AND YET… I cannot marry you this year”. Ao barman: “Bem sei que já bebi a minha conta… AND YET… apetece-me outro Bloody Mary”.
Prometemos escrever um ao outro. Quando eu falhei mandaste-me um telegrama com duas palavras e três pontos: “AND YET…”
Depois da notícia quase funerária no New Yorker fizeste questão de aparecer em Los Angeles a dizer que, quando disseste que estavas pronto para morrer, estavas a ser dramático. Fizeste-nos rir. Prometeste viver até aos 120 anos. Prometeste-nos mais dois álbuns de canções.
Mentiroso! Sempre foste o mais sublime dos mentirosos. Nem era preciso mentires: eu julgava que ias viver para sempre, como sempre tinhas vivido. Agora morreste e obrigas-me a escrever estas palavras lavadas em lágrimas. AND YET… E, no entanto, tiveste uma vida feliz. Fizeste o que querias. Amaste e foste amado. Trabalhaste nas canções mais bonitas e elevadas do nosso tempo. Já há mais de 60 anos que andaste a falar com Deus, a preparar o teu caminho. Foste um pecador de primeira AND YET… E, no entanto, algo me diz que vais ser muito bem recebido no reino dos céus, se fôr para aí que combinaste ir.
Deixaste-nos. Avisaste muitas vezes que nos ias deixar. Deixar tornou-se a tua especialidade. Ninguém se despedia tão bem como tu. Ninguém dava à sola tão depressa como tu, tão bem vestido, com sapatos feitos para percorrer as grandes distâncias do amor e da vida.
Partiste e, no entanto, continuas cá. Eu vi o tamanho do teu caderno gigante, cheio de versos e desenhos. Espero bem que haja centenas de canções que tu julgaste que ainda não estavam prontas, mas que estão.
Agora que morreste escusamos essas canções de serem perfeitas, como aquelas que escreveste e cantaste enquanto eras vivo. Enquanto eras vivo - estas palavras ainda custam mais a escrever do que a simples palavra “morreste”.
Sabes porquê? Aposto que ainda sabes mais, aí no lugar onde estás, na Tower of Song. Porque “morreste” ainda é uma coisa que tu fizeste. Morreste, sacana. É uma coisa de que podemos acusar-te; é um verbo que podemos atirar-te à cara. Em contrapartida “enquanto eras vivo” já pertence a um passado em que já fizeste tudo o que tinhas para fazer, incluíndo morrer.
Uma pessoa tem de morrer. E até a morrer foste um senhor. Pouco antes de morrer - sabemos agora - percorreste o mundo para cantar as tuas canções a quem quisesse ver-te a cantá-las. E melhor do que em qualquer outra altura da tua vida. Tu foste daqueles que melhoram à medida que se aproximam da morte. Aproximaste-te devagarinho, sem ser a medo, como se a morte fosse a última mulher. Cantaste-lhe a canção do bandido - nunca ninguém será capaz de cantá-la melhor do que tu - a ver se ela ia na tua cantiga. Deitaste-te com ela na esperança que ela te esquecesse. And yet e, no entanto (aqui sinto-te a sorrir) ela deu cabo de ti à mesma.
Toda a vida dançaste com Deus e com a morte – às vezes eram mulheres, outras vezes professores – e algumas dessas vezes acabaram como canções, divinas de amor e de vida, escritas por quem conheceu a alegria e a tristeza de amar e viver e viver e amar.
Morreste, Leonard Cohen e, no entanto, continuas vivíssimo para quem já morreu. Hoje de manhã, quando ouvi You Want It Darker, como faço todas as manhãs desde que saiu o álbum, pensei que ia chorar, por ser a primeira vez que o ouvi sabendo que estavas morto. Mas não chorei. As canções fizeram o que sempre fizeram: encheram-me de força, abriram-me ao medo e à beleza de estar vivo.
Adeus, Leonard Cohen, dizemos nós como se não soubéssemos que já lá estás.