João Miguel Tavares
Opinião
Estou farto de corporações
Ainda falta
algo no currículo de Jaime Marta Soares: ser general. O primeiro general dos
bombeiros portugueses.
31 de
Outubro de 2017, 7:35
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Este
fim-de-semana tive o desprazer de ouvir Jaime Marta Soares, presidente da Liga
dos Bombeiros reeleito com 77,5% dos votos, aos gritos para um microfone,
afirmando que os bombeiros querem ter mais poder, querem mandar mais, querem
ter a mesma autonomia do Exército e da Marinha, e que se for preciso está
disposto a ir para a rua. Disse-o em tom de ameaça, em frente ao próprio
António Costa: “Nunca nos queira ver nas ruas por outras razões, mas não temos
medo de o fazer, se não nos respeitarem.”
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Jaime Marta
Soares já foi tudo e já esteve em todo o lado: foi deputado do PSD, presidente
da Câmara de Vila Nova de Poiares durante 40 anos (segundo o seu sucessor,
abandonou o posto em 2013 com uma dívida de 30 milhões de euros), comandante
dos bombeiros de Poiares, presidente da assembleia geral do Sporting e de um
sortido de outras assembleias gerais, que incluem, segundo um perfil catita
elaborado pelo jornal i, “filarmónicas, centros de convívio e
aeroclubes”, e ainda teve tempo para ser fundador e director da Confraria da
Chanfana, com o objectivo de “contribuir para a certificação deste prato, de
origens tão remotas”. Parece muita coisa — e é. Contudo, ainda falta algo no
currículo de Jaime Marta Soares: ser general. O primeiro general dos bombeiros
portugueses.
Jaime Marta
Soares não é uma personagem de primeira linha da vida pública portuguesa, mas é
uma personagem absolutamente emblemática da vida política portuguesa. As
pessoas olham para ele e imaginam-no de mangueira na mão desde os 20 anos de
idade. Não se enganem: Marta Soares é apenas mais um dos milhares de lobbyistas
que pululam por este país, e cujo trabalho consiste em tentar confundir o
interesse público com o interesse da sua corporação. Ele não é nenhum representante
da sociedade civil, nem do esforço de milhares de bombeiros voluntários. É um
político profissional, com várias voltas ao circuito que afundou o país:
primeira curva, Parlamento; segunda curva, poder autárquico; terceira curva,
futebol; quarta curva, empresas ou instituições cujo financiamento é dependente
do poder político. Marta Soares e muitos como ele deram milhares de voltas a
esta pista ao longo da vida, uns acumulando poder, outros acumulando dinheiro,
outros as duas coisas em simultâneo.
À primeira
ameaça que surge no horizonte que possa vir a pôr em causa o statu quo e
o poder que exibem como um penacho, começam as ameaças. Marta Soares veio agora
exigir ser o general dos bombeiros, e reclamar um poder independente da
Protecção Civil, porque sabe que está à beira de ser despromovido a furriel.
Lembram-se da nomeação de Tiago Martins Oliveira para presidir à estrutura que
vai reformular a gestão dos fogos florestais? Aquilo que está em cima da mesa é
a possibilidade de o combate ao fogo passar a ser feito por profissionais,
remetendo-se os bombeiros voluntários para a defesa das populações. A esse
desejo Marta Soares respondeu assim: o Estado “não tem bombeiros” e os
“voluntários não pertencem ao governo”. Donde: “Continuaremos a fazer pelas
populações aquilo que sempre fizemos.” Reparem: um homem que sempre viveu do
Estado afirma-se agora como grande paladino do associativismo e da sociedade
civil. É preciso ter lata. Jaime Marta Soares só quer saber dos interesses
superiores do país enquanto eles coincidirem com os interesses superiores da
sua corporação — seja a dos bombeiros ou a da chanfana. Assim que deixam de coincidir,
salve-se a corporação e o país que se lixe.
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