Deus, estou francamente lixada contigo
Atualidade
· 3 nov 2017 17:36
A opinião de
Das
conversas com Deus. O que lhe pedimos, do que refilamos e o que não entendemos.
À procura de uma resposta para estarmos menos sozinhos na procura do que faz
sentido.
Esta semana,
morreu um jovem que chegara há pouco tempo à maioridade. Estava doente com
cancro há já uns tempos. A última vez que nos cruzámos, no fim do verão, ia
petiscar com os pais e com uma amiga. Tinha um sorriso pequeno, o corpo esguio,
a careca assumida, não se escusava a um abraço. Eu quis acreditar que estaria
melhor. Não perguntei nada. Por pudor, por medo, por egoísmo.
Umas semanas
antes deste encontro, a minha avó, a propósito desta doença e deste jovem em
particular, dissera: Se Deus quiser irá melhorar. E eu, muito armada em
qualquer coisa que agora não sei como definir, repliquei com rapidez que o
melhor seria tirar Deus da equação. Deus não pode servir para essas coisas,
para pedirmos, caso contrário estamos mesmo tramados, Deus é surdo.
A minha avó,
mulher sábia e católica convicta, riu-se devagar e disse-me que nunca pensara
na questão dessa forma, pois fora educada assim e não é agora tempo de mudar
essa parte da sua pessoa.
Eu acatei, não
por dever, mas por entender que estava cheia de razão, a sua razão que, para o
caso, era o que importava. Eu não fui educada com Deus à cabeceira, nem figuras
de anjo, o primeiro terço que tive foi comprado por mim, fui muitas vezes a
caminho da igreja de Santa Isabel para discutir Deus e outras coisas com José
Manuel Pereira de Almeida, prior de Santa Isabel e um amigo.
Até me
inscrevi no mestrado de Ciências da Religião e hoje sei mais do que sabia, sei
a teoria, a filosofia, a História. Do resto, aquela coisa que se define
comummente como fé, sei cada vez menos. Quando surge uma calamidade digo, como
todos nós, as expressões onde Deus está enfiado: graças a deus, valha-me deus,
deus nos livre e por aí fora. É cultural. Embora também seja identitário.
Este jovem
que morreu no início da semana, desistindo de lutar, depois de tanto lutar,
talvez não acreditasse em Deus, talvez nem tivesse pensamentos mágicos de que
falam os oncologistas em seminários e congressos a propósito dos doentes e da
forma como reagem e vivem a realidade hedionda do cancro. Não faço a menor
ideia do que pensava sobre Deus ou sobre outras coisas. Sei que gostava dele,
só assim: gostava dele.
E, sem saber
o que dizer aos pais que perdem um filho desta forma, só me ocorre dizer que
estou francamente lixada com Deus. Portanto, a minha avó tem razão, é cultural:
voltamo-nos para Deus para pedir, para refilar, para gritar, para chorar. Ele
podia dar-se ao trabalho de estar. E assim seria menos solitário.
Sem comentários:
Enviar um comentário