sexta-feira, dezembro 30, 2005

Um bom Politécnico não se transforma numa Universidade…

A Assembleia da República aprovou a proposta de Lei de Bases do Sistema Educativo apresentada pelo Governo. O articulado prevê uma nova organização dos graus académicos, no âmbito do processo de Bolonha. Foi aprovado com os votos favoráveis do PS e do PSD e a abstenção dos restantes partidos com assento parlamentar.

O objectivo é harmonizar o sistema de ensino português com os congéneres europeus, a proposta do Governo prevê a adopção de um modelo assente em três ciclos de estudo: licenciatura; mestrado e doutoramento, deixando de existir o grau de bacharel.

Os institutos politécnicos ganham o direito de conferir o grau de mestre, os doutoramentos continuam a estar reservados somente às universidades. Este é um argumento forte para a recriação, já foi criada pelo PS, da Universidade Pública de Viseu.

A alteração da Lei implicará mudanças na actual lei de financiamento do Estado que irá abranger as licenciaturas e os mestrados. Mariano Gago esclareceu ainda que vai "limitar a actual liberdade das instituições de fixar propinas nos casos de mestrados integrados", fixando um limite para o valor das propinas, idêntico para os dois ciclos de estudo. No caso dos mestrados não integrados, caberá às instituições definir o valor da contribuição das famílias, sendo que o Estado financia 80% desse montante. Quanto à acção social escolar, será mantida nas licenciaturas e estendida aos estudantes de mestrado. A inovação introduzida pela proposta de Lei de Bases que dá aos politécnicos a possibilidade de conferirem o grau de mestre. Sobre o grau de doutor, o ministro afirmou que "tal não acontece em nenhum país da Europa". "Um bom politécnico não se transforma numa universidade, transforma-se num politécnico de melhor qualidade", sustentou o ministro.

Assumiu ainda o compromisso de “não ceder às pressões das várias ordens profissionais, no sentido de fazer depender a entrada no mercado de trabalho da existência, por parte do candidato, de um mestrado, como requer, por exemplo, a Ordem dos Engenheiros”.

A questão foi dirigida pelos deputados do BE e do CDS/PP, que queriam saber se os mestrados integrados vão obedecer às pressões das ordens profissionais. Por força de uma directiva comunitária, os cursos de Medicina e Arquitectura têm um mestrado integrado no seu plano curricular. "O Governo não permitirá a deriva corporativa em que corpos profissionais reservem a entrada no mercado de trabalho", afirmou Mariano Gago, na sua resposta.

Portugal fica mais perto da aplicação da Declaração de Bolonha, um compromisso assumido em 1999 pelos Estados-membros da UE com vista à criação, até 2010, de um "espaço europeu do Ensino Superior". A Declaração de Bolonha tem como objectivo facilitar a mobilidade e a empregabilidade dos estudantes na Europa, tornando equivalentes os graus académicos atribuídos em todos os estados-membros.

Alberto Amaral em entrevista a um Jornal Nacional diário disse acreditar que todo o processo de Bolonha está, à partida, viciado e revelou existência de "agenda oculta" na criação do espaço europeu de Ensino Superior. Diminuir custos da mão-de-obra e encargos do Estado são as metas reais, ou seja, Bolonha obrigará Portugal a desinvestir no Superior.

O processo vai implementar uma espécie de "quotas educativas", em que Portugal perderá face aos países europeus tecnologicamente mais avançados. O alerta foi lançado no Porto pelo director do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES).

Para Alberto Amaral, "o que está por trás de Bolonha são os problemas dos salários europeus muito elevados, agravados pelo que resta do sistema do Estado Providência, os quais prejudicam a posição da Europa no novo sistema de competição económica global".

Traduzindo em miúdos, o ex-reitor explicou que Bolonha vai permitir, por um lado, diminuir os custos de mão-de-obra, e por outro, fazer baixar os encargos públicos com o Ensino Superior, "de forma bem mais eficaz do que um simples aumento das propinas".

O primeiro ciclo de estudos, com relevância para o mercado de trabalho, será financiado pelo Estado. Contudo, serão os estudantes a pagar o ensino pós-graduado (2.º ciclo) como forma de ele próprio zelar pela sua empregabilidade.

O director do CIPES revelou que o sistema de créditos, como se prevê, não será uma moeda fiável para o reconhecimento de estudos e apenas irá criar "uma burocracia intolerável e asfixiante".

No final, o ex-reitor concluiu "E, meus caros colegas, depois não se queixem por andarem a dormir ou por não terem sido avisados".

Jacinto Figueiredo, 15/05/2005

Sem comentários: