Este programa sintetiza-se no seguinte: o enfermo inscreve-se na lista de um Hospital Público do SNS e essa instituição tem um mês para responder ao solicitado, se não for dada resposta o enfermo será encaminhado para outro Hospital Público, se este também não der resposta o serviço de cirurgia passa de imediato para uma instituição privada. Pela prestação de serviço privado o Ministério da Saúde passa um vale ao enfermo com o valor total, pensamos nós, com os quais pagará o serviço prestado.
Não será este um mecanismo que o Governo privilegia para desviar os utentes do Serviço Nacional de Saúde para unidades privadas?
O Governo devia explicar aos Portugueses porque é que as unidades de saúde públicas não são capazes de responder atempadamente. Depois devia explicar também, porque é que não são criadas condições para que essas respostas sejam dadas em devido tempo. O Serviço Nacional de Saúde tem capacidades instaladas para responder aos utentes, pensamos nós, é uma questão de organização e rentabilização dos recursos humanos e materiais existentes nos serviços públicos. A questão de fundo é que estes recursos estarão subaproveitados, ou seja, os blocos operatórios nos hospitais públicos, uma grande parte, só funcionam durante uma parte do dia para as cirurgias programadas, quando deveriam funcionar durante todo o dia, como todos nós reclamamos. Esta é que devia ser a opção do Governo, e não a de promover o sector privado, como o ministro pretende nesta área e, outro noutras como é o caso da educação.
Um argumento a que o Governo recorre é o de que o Estado não dispõe de meios financeiros para concretizar esta medida. Esquece-se, porém, de nos informar que será o Estado que vai pagar aos privados as cirurgias que deveriam ser feitas nos hospitais públicos.
Consideramos que é necessário clarificar muito bem como vão funcionar os vales-cirurgias que o Governo promete. Os utentes devem saber, antecipadamente, se vão ter de pagar algo com esta nova modalidade.
Sabemos que com o actual Programa de Recuperação das Listas de Espera, há encargos para os utentes com os transportes e as estadias, quando a cirurgia for realizada longe da residência. Por outro lado, ao abrigo de um diploma já existente, um doente que esteja mais de 90 dias em lista de espera para consulta de especialidade é autorizado a recorrer a uma consulta convencionada da especialidade.
Através de uma confederação de trabalhadores temos conhecimento de um “caso passado com um doente do Algarve que usou este programa e que teve que desembolsar centenas de euros se quis ser operado na Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo, instituição que tem uma convenção com a ARS. Sendo utente do SNS, não tinha nada a pagar, mas foi-lhe dito que o valor da convenção paga pelo Estado era insuficiente”.
Alertamos os leitores para estes riscos e para outros, designadamente em matéria de a qualidade da prestação dos cuidados de saúde. “Há estudos internacionais que demonstram que os cuidados no sector privado têm mais riscos que no público, dado que a componente do lucro leva a deficiências nessa prestação”, informação da mesma confederação de trabalhadores.
Além destas dúvidas outras surgiram através de um profissional de saúde:
Quem faz a recepção e selecção dos pedidos de inscrição dos utentes para cirurgia em instituições públicas? Quais os critérios para os doentes serem rejeitados pelos Hospitais Públicos? Quais os requisitos necessários de qualidade por parte das instituições privadas onde o Estado vai contratualizar serviços? Qual o critério de distribuição dos utentes pelas diversas instituições? Será que é mesmo o utente que escolhe? Ou tem de se cingir a uma oferta de qualidade duvidosa, ou de interesses instalados?
Jacinto Figueiredo, 28/10/04.
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