segunda-feira, março 06, 2017

“Elas não encontram homens que lhes despertem a líbido”




O psiquiatra e professor universitário, de 72 anos, já leva cinco décadas de actividade na área da psicopatologia e psicoterapia. O seu mais recente livro é A Queda dos Machos – uma reflexão sobre as relações entre homens e mulheres

Neste livro, em forma de 20 cartas dirigidas às amigas, o psiquiatra de Coimbra diz que dá voz aos homens, enquanto escreve às mulheres, defendendo-os. No entanto, afirma que não promove o machismo – que, aliás, passou a ser uma "palavra proibida" – mas acha que vivemos tempos de um feminismo exacerbado, em que a tendência de acabar com os géneros é absurda. Em A Queda dos Machos, editado pela Dom Quixote, José Luís Pio Abreu convida a reflectir sobre a actual relação dos homens e das mulheres.
Porque é que decidiu escrever este livro assim, em cartas às suas amigas?
Foi talvez a forma mais directa de escrever e também para amenizar um pouco as constatações que faço. Amenizar no sentido de não dizer mal do feminismo. Este é o modo como eu me dirijo às mulheres e tem a ver com o facto de muitas vezes ter de lhes dizer "cuidado com os homens" porque elas não os entendem, não os conhecem e não os tratam bem.
As mulheres não tratam bem os homens?
Em geral, não. Há uma grande diferença de entendimento – é muito difícil para uma mulher compreender um homem, tal como para um homem compreender uma mulher. É um facto antigo. As relações humanas são muito paradoxais, não são simples e muito menos naturais. E posso dizer que quem está em maiores dificuldades são as gerações mais novas.
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Porquê?
Por causa das dificuldades de relacionamento. E porquê? Porque os homens desistem de estudar, da leitura, de se cultivar. Isso acontece logo na escola. Repare que são elas que entram nas universidades.
E porque é que eles desistem?
Porque o ensino secundário não está preparado para eles. Por exemplo, os homens que chegam a Medicina passam o tempo todo a estudar e conhecem muito pouco da vida. Já as mulheres aprendem muito facilmente. O ensino está feito para elas.
E acha que isso é mau?
É. Porque devia haver uma paridade como noutras áreas, como na política. O ensino secundário deveria ser preparado adequadamente para os homens, sem ser este ensino massificado de papel e lápis. No meu tempo existia actividade, trabalhos manuais, desporto, música. A falta de investimento no ensino reduziu-o ao papel e lápis e para isso as raparigas estão muito mais bem preparadas. Estamos numa época em que ninguém raciocina profundamente porque só lêem no Facebook, apanham tudo de ouvido. Raciocínio, escrita, pensamento crítico, isso não há.
O que é que as mulheres têm dificuldade em digerir, como diz?
O facto de os homens às vezes olharem para outras mulheres ou até se envolverem. As mais inteligentes percebem que eles precisam disso. Todos os dias vemos dramas de homens que matam mulheres, mas não se sabe o que é que aconteceu antes disso. Normalmente, o homem está controlado, depois bebe e explode porque não aguenta mais. É extremamente difícil para eles quando elas os mandam embora e lhes ficam com os filhos. Isso é trágico.
Em que é que o papel homem-mulher precisa de ser alterado?
Começa logo pelo facto de as mulheres serem muito mais resistentes, perfeitas e durarem muito mais tempo do que os homens. Antigamente, eles tinham um papel importante – guardavam o território e as mulheres tomavam conta das crianças. O homem é uma versão incompleta da mulher por causa do cromossoma Y, elas têm dois cromossomas X e eles têm XY, ou seja têm um cromossoma atrofiado, o que lhes provoca alterações anatómicas. A vantagem é que eles têm mais força e estão mais preparados para a luta. Mas o trabalho pela força está a ser substituído por máquinas e o que é que resta aos homens?
As mulheres hoje são menos felizes?
A felicidade é uma coisa que não se mede. O que eu sei é que as minhas amigas, que são da geração da emancipação das mulheres, hoje têm filhos e netos e estão na melhor fase das suas vidas, sobretudo se não tiverem homens. Se falarmos em termos de desejo sexual, antes as mulheres eram muito inibidas, mas actualmente também não estão satisfeitas nessa matéria, na maior parte dos casos. Acho até que existe pouco desejo sexual.
Porquê?
Porque as mulheres são todas notáveis, inteligentes, têm cursos superiores e não encontram homens à altura, capazes de lhes despertarem a líbido. Podem até ter relações efémeras, que não passam disso. A não ser que eles comecem a acompanhá-las, estudando.
Qual é o principal problema dos homens?
Talvez seja o álcool. O álcool é a pior droga actualmente e está a destruir os homens, sobretudo os que têm problemas com as mulheres. E são muitos.
Diz que os avanços da Medicina aumentaram a esperança de vida, o que leva a que as pessoas tenham relacionamentos depois dos 50 anos.
Sim, e isso é óptimo! As pessoas depois dos 50 já não têm filhos pequenos e têm disponibilidade para se relacionarem sentimentalmente. Antes eram poucos os que chegavam a velhos e agora, como existe mais tempo de vida, têm de se entender com outras pessoas que não sejam os filhos. Até nos lares há histórias de amor muito engraçadas aos 80, 90 anos. As mulheres então têm muita necessidade de conversar, já os homens falam muito pouco, não contam a sua vida, não abrem a sua privacidade.
Não será uma questão cultural?
Não é só uma questão cultural. Há diferenças cerebrais, não são só físicas, anatómicas. É aí que as feministas me atacam. Dizem que é igual. Não é! Por exemplo, a linguagem nos homens está muito dependente do hemisfério esquerdo, se tiverem uma lesão não conseguem falar. Já as mulheres se tiverem o hemisfério esquerdo afectado continuam a conseguir falar. O modo de conversar também é diferente. Eles são mais teóricos, falam de futebol e automóveis, e elas atiram-se mais à vida privada, aos filhos, à casa, apesar da emancipação. Claro que a cultura evoluiu muito, mais do que a cultura as tecnologias de comunicação, com a qual não sabemos lidar. Só que os nossos genes não mudaram nada, são os mesmos que adquirimos há milhares de anos.


Numa das cartas, refere que os telemóveis e as redes sociais nos trazem graves problemas. Que problemas são esses?
Isso é uma desgraça. O problema é os homens e as mulheres descobrirem que são traídos, ou pelo menos interpretarem assim as mensagens que o outro tem no telemóvel ou no Facebook, que por vezes são inócuas. Se lerem uma coisa do género: ‘Olá como estás, tenho tantas saudades tuas. Se estiver desconfiado é certo que vai pensar que está a ser traído. As mulheres se forem aos telemóveis dos homens, encontram sempre um motivo para os mandar embora. E eles a mesma coisa. Só que eles entram em desespero porque fere a sua condição masculina. Sempre foi assim.
Eles traem mais do que elas?
Os homens até não se importam que as mulheres tenham admiração por outros desde que não vão para a cama com eles. Só que elas quando se envolvem, apaixonam¬-se. Já os homens aproveitam as oportunidades, mas fazem o possível para não se apaixonarem. Aí elas também não se importam que eles tenham relações ocasionais. Só se chateiam se eles se apaixonarem. E isto é uma coisa muito paradoxal. Cada um impede o outro de fazer aquilo que mais faz.
Então considera que o regresso de uma pequena dose de machismo não seria mau?
Machismo? Essa é uma palavra proibida. Já viu que toda a gente pode falar em feminismo, mas em machismo, não? Há 50 anos, mesmo os homens mais progressistas não deixavam as mulheres estudar, metiam-nas em casa a aprender lavores, o máximo que elas podiam chegar era a assistentes sociais. Eles tinham medo delas e metiam-nas em casa, mas eles podiam andar com todas. Era uma sociedade extremamente machista, em que as esposas, puras, eram para ficar em casa a tratar dos filhos. Claro que hoje este machismo não está adequado. Mas o que eu acho é que vivemos uma fase de feminismo exacerbado, estas novas tendências de acabar com o género são absurdas. O individualismo não existe.
Ou seja, os homens precisam das mulheres e as mulheres dos homens?
Sem dúvida. Claro que as mulheres fizeram muito bem em emancipar-se. Encheram as universidades, mas têm um ressentimento, mesmo sem o assumir, contra os homens que não olham para elas. Eles muitas vezes têm medo de uma mulher muito inteligente.
O que acha da exibição nas redes sociais, das selfies e de publicações desenfreadas?
No Facebook passam-se grandes coisas. As pessoas escrevem demais e lêem de menos. Estamos numa época de narcisismo, como se nos estivéssemos permanentemente a ver ao espelho, homens e mulheres, então elas se forem bonitas… as redes sociais servem para isso. Contam os gostos, as pessoas que concordam com eles, é como se se estivessem a ver ao espelho. Todos temos o direito
de nos sentirmos grandes nalguma coisa, mas isto é tudo muito exagerado.
Esta obsessão com as redes sociais é outro factor que prejudica a relação homem/mulher?
Sim, a relação virtual prejudica muito, sobretudo a quem vive só disso. Mais vale ir apanhar pokémons. Há uma outra coisa importante: as redes sociais substituí-ram a imprensa, que acaba por seguir aquilo que é discutido no Facebook.
Texto publicado na edição n.º 654 de 10 a 16 de Novembro de 2016

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