.."O
sistema social inglês não anda a perseguir as mães portuguesas, ao
contrário do que a reportagem da TVI nos quis fazer acreditar. As regras
são transversais e do conhecimento de todos. São aplicadas de forma
transversal. Para pais ingleses e estrangeiros."...Rui Brasil
Reportagem da TVI, o sistema inglês e a opinião pública
por Rui Brasil, em 11.10.16
Como técnico que trabalha há mais de uma
década com crianças e com toda a racionalidade que a parentalidade não
me pode toldar, assisti à polémica reportagem da TVI e tirei algumas
conclusões.
Não me limitei a isso e sei que sou
privilegiado por conhecer técnicos de serviço social que trabalham no
Reino Unido e curioso o suficiente para não me satisfazer com uma
reportagem que não é imparcial e isenta e que sou mostrou um lado da
história.
Tentei, ainda, pesquisar e perceber o enquadramento legal desta situação. Concluí alguns destes pontos:
1- O sistema social do Reino Unido
aposta na prevenção. Ao contrário do sistema português que parte do
pressuposto que está tudo bem com as famílias e só actua reactivamente, o
sistema inglês prefere antecipar riscos e actuar em caso de
possibilidade de maus tratos que ainda nem ocorrem mas que pode haver a
hipótese, mesmo que remota, de ocorrerem. Não querem correr riscos uma
vez que têm um histórico de maus tratos na infância por parte de
cuidadores formais e informais que não querem repetir, incorrendo nos
mesmos erros. Pode-se, especialmente se analisarmos à luz do que
acontece na realidade portuguesa, pecar por excesso de zelo mas
acreditam que é mais eficaz desta forma e que a preservação da vida de
uma criança é um bem maior.
2- O caso do bebé Santiago tem uma série
de informações de fácil pesquisa na internet. Alegadamente, o
progenitor estava sinalizado pelo sistema inglês devido à suspeita de
venda substância ilícitas. Nenhum dos progenitores procedeu ao registo
do nascimento da criança no prazo exigido para o efeito. Por outro lado,
após o nascimento do bebé a observação obrigatória em Inglaterra por
parte da equipa de saúde de cuidados pós-natais não foi possibilitada
pela progenitora, após tentativas consecutivas por mais de uma semana,
com o argumento de que "estaria muito cansada" (E todas as mulheres
sabem que a enfermeira vai a casa cuidar da mãe e do bebé nos primeiros
10 dias e depois a enfermeira vai uma vez por mês a casa ver o bebé.
Mais, em Inglaterra tenta-se ver a criança, no mínimo 3 vezes, antes de
se sinalizar o impedimento por parte dos progenitores no acesso e na
prestação de cuidados aos recém-nascidos). Quando, finalmente, a
criança pôde ser observada apresentava um quadro de icterícia e
desidratação após um parto em casa, para o qual não foi pedido apoio
clínico, acompanhamento médico, logo, absolutamente negligenciado.
Finalmente, após o processo entrar nos seus trâmites legais os pais não
comparecem às sessões no tribunal para as quais foram convocadas, pois
mudaram de país e voltaram para Portugal, não obstante o processo
ocorrer no Reino Unido. Foram factos atrás de factos que provocaram o
aumento do alerta por parte dos serviços sociais ingleses e não me
parece que haja aqui qualquer tipo de perseguição ou má fé. Apenas
cuidado em preservar o bem estar da criança e em garantir-lhe os
melhores cuidados, e, aparentemente, e face a tudo o que se expôs, a
permanência dentro desta dinâmica familiar não era a situação ideal para
a criança e a que oferecesse menos riscos.
3- Não sei se o sistema social
britânico, quanto a esta matéria é o mais perfeito. Mas, na minha
opinião, é francamente melhor que o português que, só este ano,
viu chegar à luz do dia três mortes de menores que, provavelmente, não
teriam acontecido se estivéssemos em Inglaterra. Relembro que Rodrigo
Lapa, de 15 anos, morreu violentamente alegadamente às mãos do
padrasto; Viviane, de 19 meses, e Samira, de quatro anos morreram
afogadas no rio Tejo depois da progenitora se ter atirado ao rio após
queixas de violência doméstica por parte do marido e alegados abusos
sexuais à filha de ambos; e, ainda, uma criança de seis anos morreu
afogada após a mãe o ter atirado ao rio Cávado. Dois destes casos
estavam sinalizados e eram seguidos pela CPCJ da respectiva área de
residência.
4- O sistema social inglês não anda a
perseguir as mães portuguesas, ao contrário do que a reportagem da TVI
nos quis fazer acreditar. As regras são transversais e do conhecimento
de todos. São aplicadas de forma transversal. Para pais ingleses e
estrangeiros. Para todos, Talvez seja um sistema que peca por excesso e,
por isso, possa estar longe de ser perfeito. Mas não corre riscos, ou
corre o mínimo de riscos possível.
5- A comunicação social enquanto canal
de influência de massas tem o dever de informar com rigor, seriedade,
isenção e imparcialidade a sociedade. Ouvir apenas um lado da história,
fazer juízos de valor, conduzir as matérias para o lado mais
sensacionalista e que gera maior buzz não é informar: é manipular.
Cabe-nos a nós questionarmo-nos, termos sentido crítico e pesquisarmos
para além do que nos é dado já mastigado a conhecer.
6- Não conheço todos os contornos deste
processo, Mas não posso, como técnico, embarcar em histerias colectivas.
Aguardemos próximos desenvolvimentos. E ouçamos todos os intervenientes
numa perspectiva holística. E pesquisemos, procuremos saber mais, não
nos contentemos apenas com um lado da história.
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