Carta (fictícia) de um emigrante em Londres a Passos Coelho
Sr. Primeiro Ministro,
Leio que o senhor quer que nós, emigrantes portugueses, voltemos a casa. Mas mais do que criar condições para que regressemos, talvez não fosse pior criar condições para que não tenhamos que sair do país.
Senão, repare.
Os meus pais emigraram nos anos 60, já com 3 filhos. Fizeram das tripas coração, custou-lhes os olhos de cara, mas queriam garantir o nosso futuro. Primeiro foram eles, nós ficámos dois anos com os avós. Ao telefone, a minha mãe chorava baba e ranho, sentia-se prenha de vazio, dizia. Depois, juntamos-nos a eles nos arredores de Paris. Ela lavava escadas e o meu pai foi operário. Quando chegámos à idade de ir para a faculdade, eles pegaram nas poupanças de 15 anos de noites curtas e longas semanas e mandaram-nos para Portugal estudar. A precariedade obrigara-os a uma emancipação precoce, imberbe e, juravam nas suas almofadas todas as noites, nada disso se passaria connosco. Enfim, não sabiam da missa à metade. A nós seria a precariedade que impediria a emancipação. Ironias. Sabe, Sr. Primeiro Ministro, eles emigraram para que nunca tivéssemos que emigrar também. Mas, afinal, cá estamos, longe de quem nos viu nascer.
Bom, tirei um curso, tive boas notas, fiz um doutoramento. Os meus pais continuaram a ajudar. Com a minha mulher? O mesmo. Licenciatura, MBA e depois, emprego? Nicles. Call centers, estágios, trabalho temporário. Adiámos os sonhos e os filhos. Protelámos a felicidade. Quando tentámos engravidar, antes que fosse tarde demais, não foi fácil. Conseguimos mas acabámos por perder o bebé. Lembrei-me da minha avó e de como ela contava que, no tempo do Salazar, trocavam os lençóis do berço pela coberta do caixão. O ano passado, lá conseguimos ter um filho e (quase) tudo piorou. Poupo-lhe os detalhes - agora já deve saber como temos que pagar segurança social mesmo que nesse mês não ganhemos pevide, por exemplo. Certo é que, depois de nos sentirmos uns trastes, párias da sociedade a escutar diariamente o discurso dos “malandros que não querem trabalhar”, acabámos por abandonar o país. E de abandonarmos uma parte de nós mesmos. Para trás ficaram os amigos, a família e o sentimento de pertença. Estamos zangados com Portugal, que nos cuspiu paras as fronteiras, nos roubou a dignidade e nos tirou o colo. Não queremos regressar. Diz agora o senhor: VEM. Que podemos voltar por um programa sem orçamento e uns meses de treino. Repare, Sr. Primeiro- Ministro - pessoas como o senhor, políticas como as suas, dessas promessas eleitorais, trabalho escravo e humilhação diária foram as razões pelas quais saímos. Parece-nos estranho que nos queria atrair com o que nos repeliu. Parece-nos mesmo bizarro. Abjecto. Não, por favor, não peça desculpas. Cale-se e saia de fininho. Emigre para fora da galáxia. Adeus.
Sr. Primeiro Ministro,
Leio que o senhor quer que nós, emigrantes portugueses, voltemos a casa. Mas mais do que criar condições para que regressemos, talvez não fosse pior criar condições para que não tenhamos que sair do país.
Senão, repare.
Os meus pais emigraram nos anos 60, já com 3 filhos. Fizeram das tripas coração, custou-lhes os olhos de cara, mas queriam garantir o nosso futuro. Primeiro foram eles, nós ficámos dois anos com os avós. Ao telefone, a minha mãe chorava baba e ranho, sentia-se prenha de vazio, dizia. Depois, juntamos-nos a eles nos arredores de Paris. Ela lavava escadas e o meu pai foi operário. Quando chegámos à idade de ir para a faculdade, eles pegaram nas poupanças de 15 anos de noites curtas e longas semanas e mandaram-nos para Portugal estudar. A precariedade obrigara-os a uma emancipação precoce, imberbe e, juravam nas suas almofadas todas as noites, nada disso se passaria connosco. Enfim, não sabiam da missa à metade. A nós seria a precariedade que impediria a emancipação. Ironias. Sabe, Sr. Primeiro Ministro, eles emigraram para que nunca tivéssemos que emigrar também. Mas, afinal, cá estamos, longe de quem nos viu nascer.
Bom, tirei um curso, tive boas notas, fiz um doutoramento. Os meus pais continuaram a ajudar. Com a minha mulher? O mesmo. Licenciatura, MBA e depois, emprego? Nicles. Call centers, estágios, trabalho temporário. Adiámos os sonhos e os filhos. Protelámos a felicidade. Quando tentámos engravidar, antes que fosse tarde demais, não foi fácil. Conseguimos mas acabámos por perder o bebé. Lembrei-me da minha avó e de como ela contava que, no tempo do Salazar, trocavam os lençóis do berço pela coberta do caixão. O ano passado, lá conseguimos ter um filho e (quase) tudo piorou. Poupo-lhe os detalhes - agora já deve saber como temos que pagar segurança social mesmo que nesse mês não ganhemos pevide, por exemplo. Certo é que, depois de nos sentirmos uns trastes, párias da sociedade a escutar diariamente o discurso dos “malandros que não querem trabalhar”, acabámos por abandonar o país. E de abandonarmos uma parte de nós mesmos. Para trás ficaram os amigos, a família e o sentimento de pertença. Estamos zangados com Portugal, que nos cuspiu paras as fronteiras, nos roubou a dignidade e nos tirou o colo. Não queremos regressar. Diz agora o senhor: VEM. Que podemos voltar por um programa sem orçamento e uns meses de treino. Repare, Sr. Primeiro- Ministro - pessoas como o senhor, políticas como as suas, dessas promessas eleitorais, trabalho escravo e humilhação diária foram as razões pelas quais saímos. Parece-nos estranho que nos queria atrair com o que nos repeliu. Parece-nos mesmo bizarro. Abjecto. Não, por favor, não peça desculpas. Cale-se e saia de fininho. Emigre para fora da galáxia. Adeus.
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