Sócrates. A prova que faltava
No UBS da
Suíça foram encontrados os estatutos de uma fundação que Sócrates criou em 2006
para deter as contas bancárias do amigo Carlos Santos Silva. O beneficiário era
um primo do ex-primeiro-ministro, na altura o seu testa-de-ferro. É a prova que
faltava à Operação Marquês para provar que Sócrates é o verdadeiro proprietário
dos 23 milhões de euros em nome do amigo.
Temas
O empresário
Carlos Santos Silva planeou, em concertação com José Sócrates e com o seu primo
José Paulo Pinto de Sousa, a criação de uma fundação que serviria para ocultar
as ‘luvas’ que o ex-primeiro-ministro recebia. O esquema, complexo, seria à
prova de bala: formalmente era a Belino Foundation quem iria deter várias
contas abertas em simultâneo no banco suíço UBS a mando de Sócrates.
O esquema
foi posto em marcha em dezembro de 2006, um ano e nove meses depois da posse de
Sócrates como primeiro-ministro.
Carlos
Santos Silva e José Paulo Pinto de Sousa viajam até à Suíça para reunir com
Michel Canals, gestor de conta no UBS e líder da Akoya (uma empresa gestora de
fortunas que seria encerrada em 2011 após a Operação Monte Branco). Canals fará
a ponte com a empresa AMN Consultant, que tem como administrador Guy Mednoud,
sociedade com o mesmo perfil da Mossack Fonseca (a quarta maior fornecedora de
serviços offshore do mundo, que esteve no centro do caso Panama Papers). Tal
como a Mossack, a AMN Consultant também se ocupa da constituição de sociedades
e fundações, trabalha com vários bancos e cria esquemas à medida das
necessidades de cada cliente.
Para não
deixarem rasto, a par da constituição de uma offshore, Santos Silva e Pinto de
Sousa criaram uma fundação. Esta oferecia a vantagem de ser uma entidade
praticamente blindada do ponto de vista jurídico, podendo agregar e gerir todo
o património que fosse colocado sob o seu chapéu.
O dinheiro
proveniente de ‘luvas’ circularia por várias sociedades offshore, numa teia
intrincada de movimentos financeiros, até terminar na Belino – cujo verdadeiro
dono seria quase impossível detetar.
Entretanto,
o amigo de Sócrates já combinara com o Grupo Lena que este grupo empresarial
faria chegar ao seu universo financeiro as contrapartidas por favores
políticos.
Estatutos
guardados num cofre
Coube à AMN
Consultant fazer o registo público da Belino Foundation - no qual apenas ficou
consagrado o nome da fundação e os seus objetivos. Os estatutos onde constavam
os respetivos beneficiários ficaram escondidos num cofre do UBS: só com uma
busca às instalações do banco poderiam ser encontrados.
Assim, o
acesso a estes estatutos foi a última grande descoberta dos investigadores da
Operação Marquês e é a prova final, do ponto de vista da investigação, de como
o dinheiro que Sócrates diz que Carlos Santos Silva lhe emprestava é de facto
seu.
Entre os
documentos encontrados no UBS, em que são mencionadas as diferentes sociedades,
capitais, offshores e imóveis pertencentes à fundação, estava uma espécie de
‘testamento’ com o nome do beneficiário (Carlos Santos Silva) e do seu
‘herdeiro’ - nada mais, nada menos do que José Paulo Pinto de Sousa. Em caso de
morte do primeiro, 80% seriam para José Paulo (o suposto ‘fiduciário’ de José
Sócrates).
Primo de
Sócrates vende quinta que era de Duarte Lima
Um mês
depois de formada a Belino Foundation, seria aberta em janeiro de 2007, no UBS,
uma outra conta, titulada pela offshore Giffard Finance, onde Carlos Santos
Silva figurava como beneficiário. O MP suspeita que esta servia para a entrada
e saída de fundos, sendo estes posteriormente transferidos e aplicados na conta
em nome da fundação.
Joaquim
Barroca, líder do Grupo Lena, foi uma das pessoas que transferiram dinheiro
para a conta da Giffard Finance. Na análise do MP, Barroca e Santos Silva
combinaram que parte do dinheiro transferido serviria para justificar a
aquisição de ações da Cosmatic Properties - empresa detentora de uma quinta em
Sintra que, nos anos 90, pertencera ao então deputado do PSD Domingos Duarte
Lima, que a vendera e estava agora em nome de José Paulo Pinto de Sousa.
Apesar de os
terrenos dessa quinta valerem apenas cerca de 125 mil euros, por falta de
viabilidade para construção, Barroca transferiu 1 milhão e 125 mil euros para
José Paulo. O MP acredita que este dinheiro tinha como destino o então
primeiro-ministro, José Sócrates, como forma de pagar o favorecimento do Grupo
Lena em concursos públicos.
Segundo o
MP, na conta da Belino Foundation foram depositados 9,8 milhões de euros até ao
seu encerramento, em abril de 2008. Confrontado pelo DCIAP com estas acusações,
em março passado, Sócrates negou qualquer envolvimento nas operações descritas.
Caso
Freeport afasta o testa-de-ferro
O
envolvimento do nome de José Paulo Pinto de Sousa no caso Freeport, e as
sucessivas investigações criminais que vieram a público, obrigaram a uma
mudança de planos em 2008.
Numa reunião
filmada em segredo por um administrador da empresa inglesa interessada na
construção do outlet de Alcochete, Charles Smith falou de um encontro num quarto
de hotel com José Paulo, que pedira um milhão de euros para ser dada luz verde
ao licenciamento do projeto. Este dinheiro corresponderia ao pagamento de
‘luvas’ a José Sócrates, então titular da pasta do Ambiente. Durante essa
investigação, foram constituídos e interrogados sete arguidos, admitidos cinco
assistentes, inquiridas 80 testemunhas e emitidas sete cartas rogatórias, mas o
processo terminou em 2012 sem condenações.
Por
precaução, José Sócrates, Santos Silva e José Paulo decidiram então retirar o
nome deste último do esquema de transações monetárias, passando o empresário a
ser o único ‘barriga de aluguer’ de Sócrates.
Refira-se
que, antes, já o nome do primo de Sócrates fora investigado noutro caso
judicial, o da Câmara da Amadora, em 2001, por crimes de corrupção e
financiamento de partidos, em que foi investigada a Mecaso, sociedade da
família Pinto de Sousa, de que a mãe de Sócrates, Maria Adelaide, também era
sócia. Mas o caso acabou igualmente arquivado.
Envolvimento
em seis tipos de crimes
A acusação a
José Sócrates deverá ser formalizada em julho.
Para já,
sabe-se que o MP suspeita do envolvimento do ex-primeiro-ministro em seis
crimes: corrupção passiva (casos que envolvem o Grupo Lena, o Grupo Espírito
Santo, a PT e o negócio de Vale do Lobo), branqueamento de capitais (ocultação
e falsa justificação de fundos), fraude fiscal qualificada (rendimentos
ocultados e controlados por testas de ferro), tráfico de influências (contacto
com diplomatas para favorecer o Grupo Lena no estrangeiro, nomeadamente em
Angola e Venezuela), falsificação de documentos (contrato de arrendamento do
apartamento em Paris e adesão ao Regime Excecional de Regularização Tributária
de 2010, entre outros) e recebimento indevido de vantagens (pagamento de
despesas de lazer em 2011).