Caro Miguel
Desde
já peço desculpa pela familiaridade do trato, mas como nos conhecemos
tão bem sinto-me no direito de ser mais tu-cá-tu-lá consigo. Li o seu
artigo sem adulteração, aquele do Expresso do último sábado, do dia 15
de Junho de 2013. Escrevo a data completa porque a quantidade de textos
que debita poderiam criar na sua cabeça alguma confusão sobre o espaço
temporal a que me refiro. Devo dizer que é um texto bem escrito,
daqueles que se aprendem a escrever quando se tem uma professora à moda
antiga, das que nos ensinam a amar o saber e fazer da vida uma busca
continua desse mesmo saber, das que nos ensinam a ter espírito critico,
das que nos ensinam a pensar e a usar com racionalidade essa fundamental
característica que é uma das que nos distinguem das restantes espécies
da Classe Mammalia. Como se deu ao trabalho de fazer uma breve
introdução romanceada do seu percurso pelo primeiro ciclo, então escola
primária, vou, também eu, essa breve introdução, sem as figuras de
estilo que o Miguel usa, porque em mim a escritora não pode florescer
por falta não de vocação que essa até tenho, mas de tempo, e a seu tempo
entenderá o porquê. Então vejamos, em 1976 entrei na escola primária. A
escola que me acolheu, uma das obras positivas do tempo assumidamente
autocrático, era linda, branca, com casas de banho que por acaso não
funcionavam mas estavam lá, com as paredes preenchidas pelos trabalhos
de desenho dos meus colegas mais velhos que a minha arte ainda não se
tinha manifestado. Sabe porque é que a minha escola era linda? Porque eu
não sou filha de nenhuma escritora, nem nenhum deputado, nunca os meus
olhos tinham visto tanto livro junto, e refiro-me a meia dúzia que havia
lá pela minha escola de aldeia, longe de Lisboa e do Porto. Sabe
Miguel, acredito que pense efectivamente que sabe, ou não tivesse sido
aluno da D. Constança, as vivências da realidade são diferentes de ser
humano para ser humano, e por isso o quadro feio e negro da escola do
Miguel pode ser belo e muito colorido para alguns dos seus colegas de
carteira. Mas deixemos isto e continuemos na saga do meu percurso
escolar. Tal como o Miguel também na minha escola éramos muitos, tanto
que nem me lembro do número, será porque isso nunca foi relevante? É que
das pessoas ainda me lembro bem, das brincadeiras também, das aulas
também… As duas salas estavam sempre cheias, como um ovo, havia dois
turnos de aulas com 4 professoras, duas de manhã e duas de tarde. A mim
calhou a D. Maria Isabel, uma mulher linda, com o seu cabelo cinzento e
os lábios pintados de uma cor fabulosa, um tom de laranja doce. A D.
Maria Isabel acabou de me ensinar a ler, que alguma coisa a minha
teimosia já me havia feito aprender. Sabe Miguel, em algumas situações a
teimosia é uma característica boa, de tal forma que no final do
primeiro período já eu substituía a minha avó na leitura de “O amigo do
Povo” às suas comadres analfabetas. Vou agora refrescar-lhe a memória em
relação ao que era o primeiro período: – período de tempo que mediava
entre Outubro e meados de Dezembro, suponho que entende o que lhe estou a
dizer, mas se não informe-se junto de alguns psicólogos e pedagogos
credíveis. Abreviando um pouco, e quase para terminar este parágrafo,
devo dizer-lhe que a minha professora foi tão boa que em 3 anos resolveu
comigo as questões que para muitos se resolviam em 4, e para outros
muitos em mais de 4. Tal como a sua, também a minha deixou em mim um
apetite voraz para as letras, chamava-me “papa livros” tal era a minha
voracidade, e todas as semanas, levava de Coimbra para mim muitos
livros. A minha professora Maria Isabel era uma mulher completa com
marido, 3 filhos, sendo um surdo-mudo, pais e sogros. Vivia do seu
trabalho e como tal faltou algumas vezes, pois não tinha possibilidades
económicas para delegar responsabilidades. Mas sabe o que lhe digo,
foram muitos os alunos que mandou para a universidade, que hoje até lêem
o que o Miguel escreve com espírito crítico. Neste momento poderia
considera-lo um mentecapto e situar este comentário no seu texto
brilhante, mas não o vou fazer, porque o Miguel também teve uma boa
professora na escola primária.
Mudando
de parágrafo e de assunto, tal como o Miguel, sei que o país está à
beira da bancarrota, mas na minha família só o direito ao voto
responsabiliza por essa situação, sabe porquê? Nunca nenhum dos meus
progenitores ocupou lugar em nenhuma das cadeiras da Assembleia da
Republica, por partido nenhum quanto mais por dois e ainda mais
relevante, nunca nenhum dos meus progenitores foi ministro. Sinto muito
Miguel por ter que lhe lembrar que algumas das responsabilidades da
miséria que crassa por esse Portugal fora tem genes que lhe foram a si
entregues. Mais ainda, na minha família toda a gente produz, desde tenra
idade. Sobre trabalho o Miguel, por certo, teria muito a prender comigo
e com os meus.
Voltemos
agora ao ainda cerne desta questão, a greve dos professores. Sabe
Miguel, depois de ler o seu texto, volto a dizer, sem adulterações,
fiquei a pensar se o seu sistema digestivo seria igual ao dos restantes
mamíferos. E confesso que esta duvida já me assaltou algumas vezes
frente aos seus escritos. Em relação aos professores o Miguel não sabe
nada do que pretende dizer, seria bom e revelador de algumas sinapses
activas, que se calasse até conseguir saber sobre o que se pronuncia. Eu
sou professora, há já muitos anos, executo a profissão que sempre quis
ter, lá por causa da minha rica professora Maria Isabel, e trabalho que
me desunho, e não falto, e estou disponível para os meus alunos até para
ser mãe. O meu horário semanal ( e o da maioria) tem sempre muito mais
do que as 40 horas agora na moda, tenho que me preparar, nem sequer para
cada ano é mesmo para cada turma, pois são sempre diferentes os alunos e
as suas interacções; tenho que os avaliar, e isso exige muito pois sou
acérrima defensora da avaliação formativa; tenho que tentar manter-me
actualizada pois lecciono uma disciplina das ciências mais vanguardista,
e isso requer muito tempo ( percebe agora porque não me dedico mais à
escrita?). Eles, os meus alunos, que são quem me importa, sabem disso!
Acho de uma arrogância tola o Miguel vir pronunciar-se sem saber do que
fala. Eu também sou leitora e agora vou aqui falar de um escritor
medíocre que já li. Vou tecer comentários sobre obras e escrita que
conheço, não sobre números de origem duvidosa! O Miguel escreve com a
qualidade necessária para ser comercial, isto é para ganhar dinheiro,
muito por sinal. Quer assumir-se como um Eça? Sabe que está a anos luz,
sobra-lhe a capacidade descritiva, mas falha nos pormenores, vou dar-lhe
um exemplo concreto: descreve cenas de sexo/amor com minúcia, mas
impraticáveis por imposição das leis da física. Tenta ser um critico
social, mas o seu azedume natural tira-lhe a graça e a leveza que tornam
Eça sempre actual. Poderia continuar mas acho que já consegui perceber
onde quero chegar. O Miguel é um escritor medíocre, mas isso não faz com
que todos os escritores de Portugal o sejam, repare a sua mãe até
ganhou um prémio Camões. Até sei que vai pensar que estou a ser
ressabiada, será um argumento de defesa legítima uma vez que o estou a
atacar, mas totalmente desprovido de verdade. Entenda o que lhe quero
dizer de forma clara, há professores medíocres mas a maioria é bastante
boa, empenhada e esforçada. Esta greve serviu apenas para mostrar ao
governo que o caminho da mentira e do enxovalhamento publico tem que
acabar. Os direitos dos alunos estão a ser salvaguardados, é certo que
temos menos alunos, mas também é certo que cada ano as turmas são
maiores e os problemas sociais, que entram sempre pela sala de aula
dentro, são cada vez mais. Sabe Miguel, seria mais proveitoso para os
alunos trabalhar em salas com menos crianças/jovens e consequentemente
menos problemas do que em salas cheias até à porta. Sabe que assim
poderíamos desenvolver o espírito critico desses jovens e aí as coisas
mudavam um pouco… Já imaginou um pais em que a maioria dos cidadãos
tivesse espírito critico? Imagina o destino que seria dado aos
medíocres? Acha que haveria lugar a tantas PPP’s? Acha que o dinheiro do
Estado Social ( faço aqui um parêntesis para lhe dizer o que é o
estado social, que eu sustento: EDUCAÇÃO, SAUDE e SEGURANÇA SOCIAL)
seria desbaratinado em manobras bizarras sem que fossem pedidas contas?
Acha que os gestores das empresas publicas que acumulam prejuízos
continuariam a ser premiados? Acha que se assistiria a uma classe
politica corrupta, incompetente e desavergonhada de braços cruzados?
Acha que haveria prémio para a mediocridade de textos que vendem como
cerejas à beira do caminho? Ai Miguel depois destas questões até o estou
a achar inocente… acabei de ficar com aquele sorriso que dou aos meus
alunos travessos, mas simples, só que para eles é para os conduzir ao
bom caminho, para si é mesmo com condescendência.
Falou
no seu texto no estado calamitoso em que se encontram as contas
públicas, e sou forçada a concordar consigo, só tenho pena que apenas
consiga ver o erro, e lhe falte a coragem para imputar
responsabilidades. O país está neste estado por causa dos decisores
políticos e dos fazedores de opinião, entre os quais o incluo. A má
gestão é que nos levou a este marasmo, não fui eu, nem os meus pais.
Desde muito jovem que justifico o que como, foi assim que fui educada, é
assim que educo os meus filhos e até os meus alunos, dentro do
possível. Da má gestão posso ser responsabilizada por votar, mas sempre o
fiz em plena consciência, acreditando que dava o meu voto a um ser
humano digno. E continuo a fazê-lo! Quanto aos fazedores de opinião é um
problema acrescido, porque esses nascem do nome que carregam, tal como o
Miguel bem sabe. Por isso lhe digo em jeito de conclusão, este texto só
será lido em blogues, porque o apelido Bragança não me abre as portas
dos jornais. Fique bem Miguel e quando não conseguir mais dormir, por
ter tomado consciência da sua responsabilidade pessoal no estado em que
se encontra o país, não pense logo em suicídio, tome primeiro Valeriana e
se não resolver tome Xanax.
Anabela Bragança, professora de Biologia, ainda com alegria e orgulho!
Coimbra, 19 de Junho de 2013